sexta-feira, 28 de outubro de 2022

E-book: A Criança que Não era Trocada: entre contos de fada e psicopedagogia



Autor: PEREIRA, Fábio Alexandre.

Resenha do E-book: A criança que não era trocada: entre contos de fada de psicopedagogia.

Título: As Diferenças do Desenvolvimento Infantil e o Papel do Psicopedagogo Institucional


Trata-se de uma obra que busca refletir a respeito das diferenças do desenvolvimento infantil. Para isso, propões duas histórias fictícias. Em uma delas, Ana, uma mãe dos dias atuais, que tem um filho com necessidades especiais, conta para as crianças, antes da hora de dormir, a história A criança que não era trocada. Nesse sentido, a narrativa busca dialogar com as histórias populares existentes há séculos, em alguns países europeus, as quais supunham que uma criança que não se desenvolvesse normalmente havia sido substituída pelo filho de um ser sobrenatural, como uma fada, por exemplo. Assim, uma condição específica do desenvolvimento é apresentada sob duas perspectivas diferentes. A mãe dos tempos atuais, em posse de informações adequadas, busca os serviços necessários ao desenvolvimento de seu filho, Pedrinho, ao passo que a mãe de tempos passados, busca informação, porém o que ouve em sua jornada serve mais para confundir do que para esclarecer. O pressuposto é que o oferta de informação adequada não apenas contribui para fornecer os estímulos necessários ao desenvolvimento das crianças que apresentam condições específicas de desenvolvimento, mas também permite minimizar a ansiedade que costuma estar presente quando não se sabe como agir. Nesse sentido, o profissional de psicopedagogia institucional pode trazer importantes contribuições, já que a escola costuma ser o lugar onde tais diferenças costumam ser percebidas. Junto dos demais integrantes da equipe escolar, o psicopedagogo poderá estabelecer ações como adequações pedagógicas necessárias e encaminhamentos para outros profissionais da rede de apoio. Ao final do livro, algumas páginas são dedicadas ao estudo dos contos de crianças trocadas, mostrando como o tema esteve presente na literatura e na própria história dessas sociedades, possibilitando perceber como a falta de informações adequadas sobre o desenvolvimento, em uma época em que não estavam disponíveis as explicações científicas sobre o desenvolvimento humano, levou as crianças com dificuldades do desenvolvimento a serem excluídas da vida social.        





quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Criatividade Também Diz Respeito à Qualidade de Vida


Talvez não seja possível avaliar o tamanho do prejuízo financeiro e emocional da sociedade, por negligenciar a importância de um tema como a criatividade. Acostumamo-nos a pensar na palavra investimento como algo que sempre envolve o aspecto financeiro. No entanto, os recursos humanos das instituições são de extrema importância para a melhora da qualidade de vida da sociedade, incluindo os que trabalham nas instituições, bem como os que são atendidos por elas. Pessoas de mentalidade fechada, obsoleta, podem muitas vezes ocupar funções dentro de instituições as mais diversas, entravando o processo criativo. A solução para reverter esse quadro poderia ser a busca de um modelo educacional que contribuísse para desenvolver a criatividade das pessoas desde o primeiro contato com a instituição escolar.
DE MASI (2003, p. 525) apresenta o conceito de “criatividade social”. Esse tipo de criatividade não se revela nas coisas, mas sim nos relacionamentos sociais, nos grupos. Essas pessoas dotadas de criatividade social irão contribuir para melhorar a oferta de serviços prestados à população, por exemplo.

Favorecer a Criatividade

A rotina é ruim para o cérebro, porque transforma nossas ações em hábitos. Para estimular a criatividade, precisamos dispor de novas informações, que estão relacionadas tanto a conhecer novas coisas como com treinar o nosso modo de perceber o que já conhecemos de maneira diferente.
É interessantemente observar como alguns gênios criativos demonstraram atitudes incomuns, a partir de coisas simples. Leonardo da Vinci, por exemplo, escrevia da direita para a esquerda. Thomas Edson explorava o estado hipnagógico como forma de se inspirar para realizar suas descobertas.
Observando esses aspectos das vidas das pessoas altamente criativas, poderemos melhorar a nossa própria relação com o processo criativo, pois a criatividade não é um atributo que pertence apenas aos gênios. Todos temos uma potencialidade criativa que, muitas vezes, por falta de treino, pode ser prejudicada.   
O total oposto da pessoa criativa talvez seja o sujeito que está sempre produzindo as mesmas atitudes e ideias, incapaz de qualquer alteração em seus procedimentos.
Dilts, De Lozier e Dilts (2016) apresentam quatro níveis de aprendizagem. Falarei mais especificamente de cada um em postagem posterior. Por ora, seria importante apenas ressaltar que no nível 0 da aprendizagem, as coisas são feitas por simples hábito, sempre da mesma maneira, ou seja, a pessoa deixou de aprender e agora suas ações são desempenhadas como uma atitude reflexa, desacompanhada de pensamento crítico.

O Que é Ser Criativo

A personalidade das pessoas criativas inclui vários aspectos que facilitam o processo de criação. Martínez (2006, p. 19), afirma que as pessoas criativas possuem as seguintes características:

Flexibilidade: conseguem abordar um problema de diferentes perspectivas.
Originalidade: possuem necessidade de se distinguir dos demais.
Motivação intrínseca: dependem apenas dos estímulos internos, não dos externos.
Tolerância à ambiguidade: sentem-se cômodos diante da diversidade de possibilidades.
Fluidez: experimentam grande número de ideias antes de optar por uma delas.

A Criatividade Pode Ser Exercitada

Martínez (2008) propõe que a criatividade pode ser estimulada por mudanças nas tarefas rotineiras, como mudar o caminho entre a casa e o trabalho, alimentar-se de um alimento não consumido com frequência, ouvir música que não se está acostumado a ouvir, vestir-se de maneira distinta da feita com frequência, assistir a filmes cujo gênero não seja o costumeiro.
Felício (2008, p. 91) afirma que pessoas criativas demonstram a capacidade de se encantar diante das coisas simples. A criatividade pode ser inspirada por coisas comuns do ambiente. Não se trata da complexidade das fontes, mas da maneira de percebê-las. Para isso, o autor propõe alguns exercícios simples necessários para inspirar a criatividade, como sentar-se e acalmar-se, enquanto percebe os detalhes do ambiente, com cada um dos sentidos.

Exemplos de Exercício para Estimular a Criatividade

Respire fundo, concentre-se no que vê, ouve, nas características táteis dos objetos. Respire fundo novamente e dirija sua atenção para uma lembrança feliz e remota da infância: observe o que foi observado na ocasião, ouça o que foi ouvido e sinta o que foi sentido.
Também é possível imaginar que você é outra pessoa e abordar um problema da maneira como acredita que essa pessoa procuraria resolvê-lo.

Criatividade Verbal

Papaterra (2015) propões atividades para estimular a expressão escrita, tais como:
A)   Apresentar vários substantivos e pedir que seja encontrado o maior número de verbos que possam se relacionar com os mesmos.
B)   Escrever frases em que as palavras começam pela mesma letra.
C)   Observar uma lista de palavras e procurar seus sinônimos e antônimos.
D)   Apresentar uma lista de palavras e encontrar duas características positivas para cada uma delas.
E)   Responder uma mesma frase de duas maneiras opostas.
F)   Imaginar situações-problema e oferecer soluções.
G)  Interpretar o sentido de frases figuradas ou provérbios, explicando-os literalmente.
H)   Determinar as possíveis causas para acontecimentos usuais, como o que teria feito um cachorro latir.

Além disso, apresenta exercícios com ênfase no próprio pensamento criativo, como responder o que é possível fazer com uma panela, além de usá-la para cozinhar. Ou tentar responder charadas, como:
a)    Quem é que quando trabalha todos riem?
b)    Qual a cidade brasileira onde não se falam mentiras?
c)    Quem só trabalha quando é posto na rua?
d)    O que gasta sapato sem ter pés?
e)    Qual o doce que lembra a lista telefônica?

Conclusão

Toda inovação transforma, mas nem toda transformação inova, porque algumas mudanças irão adotar exatamente coisas que já provaram que não funcionam. Deixemos bem claro que uma coisa é aplaudir a criatividade na teoria, outra é admiti-la na prática. Como diz um dos autores pesquisados para esta postagem, açúcar atrai moscas. Na prática, os burocratas, cumpridores de protocolos e incapazes de inovar, poderão se mostrar muito insatisfeitos com aqueles que demonstrem capacidade de inovação. 

Respostas das charadas
a)    Palhaço
b)    Franca
c)    O guarda de trânsito
d)    O chão
e)    Mil Folhas

Consulta

DE MASI, Domenico. Criatividade e grupos criativos. Rio de Janeiro: Sextante, 2003.
DILTS, Robert; DELOZIER, Judith,; DILTS, Debora Bacon. PNL II, La Siguiente Generación.El Grano de Mostaza Ediciones: Espanha, 2016.
FELÍCIO, Alexandre. Pessoas criativas são mais felizes e ganham mais. Audiolivro, 2008.
LIMONGI, Fernanda Papaterra. Manual Papaterra de Habilidades de Compreensão e Expressão. Booktoy, 2015.
MARTINEZ, Jonny. Creatividad y Desarrolla Mental. 2006. http://www.liderazgoymercadeo.com


terça-feira, 23 de julho de 2019

Contribuições do Profissional de Psicopedagogia ao Atendimento de Alunos Disléxicos


Casos de crianças e adolescentes que, embora dotados de boa capacidade para a execução de atividades em outros domínios, demonstram expressivas dificuldades para a realização da leitura de textos simples, podem deixar os seus professores intrigados. Mesmo educadores com experiência em alfabetização podem experimentar o sentimento de frustração diante de um caso em que as dificuldades de leitura persistem, apesar de seu empenho em oferecer ajuda profissional. Muitas vezes notamos como a tarefa de converter sinais acústicos (sons) em grafemas (letras), mantendo a ordem em que foram emitidos, pode ser exaustiva para algumas crianças em idade escolar. Nessas condições, é possível que se esteja diante de um caso de dislexia.
O início do interesse por esse tipo de transtorno remonta ao ano de 1872, quando o termo “dislexia” foi mencionado pela primeira vez. Posteriormente, no ano de 1896, Morgan publica um estudo, no British Medical Journal (BMJ), relacionado ao caso de um adolescente com incapacidade para ler, embora fosse dotado de condições adequadas de inteligência (Rotta, Ohlweler, Riesgo, 2016, p. 133). No ano de 1928, Orton estudou crianças que apresentavam inabilidades para a leitura, as quais evidenciavam “distorções perceptivo-linguísticas”, que resultavam na produção de letras, palavras e imagens espelhadas (idem). Ao diagnóstico dessas crianças, com dificuldades acentuadas para a aquisição da leitura, porém com inteligência preservada, Orton aplicou o termo “estrefossimbolia”, o qual relacionou a tais inversões na escrita que, segundo sua opinião, era algo encontrado com frequência nas crianças que apresentam o transtorno. Continuando os estudos sobre o assunto, Orton verifica que a dificuldade dessas crianças estava relacionada à possibilidade de reproduzir, na ordem apresentada, sequencias de letras ou sons. Para Orton, a dislexia estava associada também às dificuldades na lateralidade, vendo relação entre esse aspecto e as questões visuais, como a escrita em espelho. No entanto, estudos posteriores, como o realizado por Ramus e cols, em 2003, questionaram esse aspecto (op. cit. p. 135).
Outra conclusão a que Orton chegou foi que essa condição estava presente entre pessoas da mesma família, indicando a relação do transtorno com o fator genético (op. cit. p. 133-134). A hipótese genética foi investigada de maneira intensa na década de 1990. Nesse período, os estudiosos do assunto se interessaram pela busca de indicadores que relacionavam o distúrbio à presença de más formações, ou também de alterações funcionais no cérebro de disléxicos, sendo confirmadas ambas as hipóteses por meio de estudos de autores como Kemper, Galaburda, Levistsky e Duffly (op. cit. p. 134). Em 2001, Galaburda e cols relacionaram alterações na citoarquitetura cerebral, em áreas como córtex temporal e tálamos com as dificuldades no processamento dos sons por parte de pessoas disléxicas (op. cit. p. 140).   
Estudando os casos de crianças disléxicas, percebeu-se que a dificuldade para a leitura não era causada por problemas sociais, emocionais, déficits sensoriais ou falta de motivação ou de instrução (Rotta, Ohlweler, Riesgo, 2016, p. 135). Essa forma de compreender a natureza da dislexia está presente em documentos oficiais utilizados por especialistas no momento presente:
“As dificuldades de aprendizagem não podem ser explicadas por deficiências intelectuais, acuidade visual ou auditiva não corrigida, outros transtornos mentais ou neurológicos, adversidade psicossocial, falta de proficiência na língua de instrução acadêmica ou instrução educacional inadequada” (DSM 5, p. 67).
As características associadas à dislexia incluem leitura lenta, imprecisa, hesitante, realizada com grande esforço. Também ocorrem dificuldades na soletração de palavras. Na leitura em voz alta, notam-se tentativas de adivinhação. Por exemplo, lendo a primeira sílaba e tentando deduzir qual é a palavra. Pode acontecer também de a leitura ser realizada de modo adequado, porém com comprometimento na compreensão das ideias do texto. Na escrita, podem ocorrer acréscimos, omissões ou substituições de vogais ou consoantes. As dificuldades dos disléxicos costumam ficar mais evidentes à medida que os assuntos escolares se tornam mais complexos. No DSM 5, os transtornos específicos da aprendizagem também são classificados de acordo com a terminologia “leve”, “moderada” ou “grave”, dependendo da intensidade do prejuízo ocasionado ao sujeito no domínio acadêmico (idem).
Quando submetidas aos testes de inteligência, as crianças que apresentam transtorno específico da aprendizagem com prejuízo na leitura demonstram desempenho equivalente ao de seus pares, em que não são verificadas as mesmas dificuldades de leitura. Esses sujeitos costumam apresentar lentidão ao ler, sendo as palavras lidas individualmente, o que dificulta a compreensão do texto lido. Durante a leitura, a dificuldade do disléxico ficaria mais evidente diante das palavras inventadas, ou pseudopalavras (Rotta, Ohlweler, Riesgo, 2016, p. 135).
Outros estudos contribuíram para a compreensão das diferentes manifestações da dislexia, em que podem ocorrer dificuldades para o processamento dos sons (disfonética), ou em que a dificuldade predominante é visual (diseidética), ou ainda em que as dificuldades resultam de uma combinação de ambas as modalidades anteriores, o que constituiria em uma forma mais grave de dislexia (op. cit. p. 137).  
O melhor conhecimento dessa condição também possibilitou pensar sobre ações que poderiam contribuir para melhora nos critérios diagnósticos e em ações que poderiam ser realizadas diante de alguns indicadores da provável ocorrência do transtorno. As dificuldades no processo fonológico, que constituem um aspecto presente nesses casos, poderiam ser identificadas precocemente, já no Jardim de Infância, para o conhecimento dos sujeitos em risco (Rotta, Ohlweler, Riesgo, 2016, p. 135). Programas de intervenção realizados precocemente podem contribuir para a melhora em relação às dificuldades apresentadas pelos disléxicos (op. cit. p. 144).

Ações Para Auxiliar Educandos com Dislexia

A entrevista realizada com a família permitirá o levantamento de informações importantes sobre o processo de desenvolvimento da criança. A anamnese precisa verificar os aspectos relacionados aos períodos pré, peri e pós natais, com as características do desenvolvimento global do aluno, bem como do desenvolvimento da linguagem oral e sua história familiar.
É necessário também estar atento aos aspectos comportamentais que podem surgir ao longo de sua escolarização, como problemas de autoestima, desinteresse pelos estudos, etc (idem).  
Também é importante verificar as características da leitura e da produção textual atual demonstrada pela criança (op. cit. p. 142). Na escrita, ocorrem confusões ao grafar letras que se diferenciam apenas quanto à disposição espacial (p/q, b/d), ou que tenham sons parecidos (t/d; f/v)? A criança inverte palavras na hora de escrevê-las? Sua escrita omite ou acrescenta letras? Encontra dificuldade para realizar a divisão silábica? Acha difícil reconhecer rimas? Sendo possível, tomar conhecimento das observações dos professores também auxiliará nesse momento. 
Profissionais da área da psicopedagogia ou da fonoaudiologia, ao tratar o problema, promovem a reeducação da linguagem escrita, fazendo necessária a realização de um diagnóstico adequado ao planejamento do tratamento (op. cit. p. 144). Outra ação importante desses profissionais se refere à indicação das adequações pedagógicas necessárias ao progresso escolar (op. cit. p. 155).
Uma investigação adequada da história do desenvolvimento pessoal do aluno e de suas dificuldades de aprendizagem possibilitará a elaboração de estratégias de intervenção mais eficazes, propondo mudanças positivas em todos os espaços de convivência do aluno.  

Algumas Sugestões de Ações e de Adequações Pedagógicas

Explicar ao aluno a natureza de seu problema e colocar-se à sua disposição para ajudá-lo.
Realizar trabalho de conscientização da turma, para evitar que o aluno seja alvo de ridicularização por parte dos colegas.
Posicioná-lo mais próximo de seus educadores, para permitir maior atenção pedagógica.
Explicar os conteúdos de forma objetiva e perguntar ao aluno se a explicação ficou clara.
Em caso de haver dificuldades atencionais, oferecer um lugar adequado, em que o aluno possa se concentrar na tarefa.
Adequar a complexidade dos textos oferecidos ao aluno ao seu nível de competência de leitura atual.
Evitar solicitações de que reescreva trabalhos já produzidos, pelo fato de conter erros de escrita. Considerar o conteúdo textual, mais do que sua grafia, como critério de notas.
Evitar solicitações de leitura em público.
Oferecer previamente uma cópia impressa dos textos que serão trabalhados em sala de aula, para que treine a leitura em casa.
Ensinar a realizar resumos de explicações oferecidas durante a aula.
Permitir o uso de corretores de texto para a realização dos trabalhos escritos.
Oferecer explicações em áudio, para que possa ouvi-las novamente, para compreender melhor o conteúdo, pois ouvir e escrever ao mesmo tempo constitui uma tarefa demasiadamente complexa para o disléxico.
Oferecer materiais que possam ser visualizados (gráficos, ilustrações, figuras) acompanhando o texto escrito.
Evitar solicitações de cópias de textos longos e deveres de casa com produções extensas.
Oferecer a possibilidade de realizar avaliações orais.
Disponibilizar tempo extra para a conclusão das atividades escolares.
Permitir o uso de calculadora e de tabela de multiplicação impressa (Rotta, Ohlweler, Riesgo, 2016).

Criando Uma Rede de Apoio

É necessário que sejam consideradas as características das relações interpessoais experimentadas pelo aluno em seu dia a dia como um tema importante no suporte necessário ao seu progresso nos estudos. Nesse sentido, alguns autores destacam a relevância das características do ambiente para auxiliar alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem a lidar com o problema:
“Embora as dificuldades de aprendizagem sejam causadas por problemas fisiológicos, a extensão em que as crianças são afetadas por elas freqüentemente é decidida pelo ambiente no qual vivem. As condições em casa e na escola, na verdade, podem fazer a diferença entre uma leve deficiência e um problema verdadeiramente incapacitante. Portanto, a fim de entendermos as dificuldades de aprendizagem plenamente, é necessário compreendermos como os ambientes doméstico e escolar da criança afetam seu desenvolvimento intelectual e seu potencial para a aprendizagem” (Corinne, Strick, 2007, p. 30).
Não devemos nos esquecer da importância de oferecer suporte à família. Frequentemente, o conhecimento das dificuldades de aprendizagem não costuma estar entre os assuntos com os quais a família pode lidar sem ajuda especializada. O especialista em psicopedagogia, ao atender as famílias de crianças com dificuldades de aprendizagem, poderá esclarecer a questão e explicitar as estratégias que serão utilizadas, para que fique claro para os responsáveis qual será o seu papel nesse trabalho.
No espaço escolar, poderão ser desenvolvidas ações em conjunto, envolvendo o trabalho dos professores e do psicopedagogo, a exemplo das intervenções psicopedagógicas em sala de aula. Isso pode ser discutido previamente com os professores, a fim de planejar o melhor momento para a intervenção. Nessa ocasião, o psicopedagogo poderá contribuir, ao propor temas que despertem reflexões que favoreçam o surgimento de atitudes de sensibilização coletiva para o problema. 

Considerações Finais

Embora a dislexia não seja decorrente da falta de motivação para os estudos, notamos que a perda da motivação pode ocorrer diante da falta de assistência educacional adequada. A sensação de fracasso nos estudos também pode contribuir negativamente para o desenvolvimento de problemas relacionados à autoestima desses alunos, quando deixados sem o suporte pedagógico de que necessitam.
Uma adolescente disléxica que atendi anos atrás me relatou o seu sentimento de abandono diante da situação inicial de seu diagnóstico de disléxica. Conforme mencionou, “eles jogaram a bomba e depois saíram fora”. Com isso, quis dizer que o diagnóstico por si só não trouxe alteração na forma como o processo educacional era conduzido, pois continuava experimentando o sentimento de confusão nas situações de ensino e aprendizagem. Portanto, é necessário haver sensibilidade para a questão. A equipe escolar pode ajudar, adequando as demandas relacionadas às tarefas escolares e extraescolares. Outra questão importante, que tenho percebido, é a necessidade de desmitificação do problema. Tanto a criança disléxica, quanto seus familiares e educadores, necessitam compreender o que é a dislexia (Em algumas ocasiões, pode haver vantagem em explicar a natureza do problema para a classe em que o aluno disléxico está matriculado, após discutir com os responsáveis e com o aluno sobre essa possibilidade). O sentimento de confusão experimentado por todos os envolvidos no processo educacional precisa ceder lugar à atitude de certeza de que sabemos com o que estamos lidando e de que também sabemos como ajudar. Essa mudança pode contribuir para a redução das ansiedades experimentadas pelos envolvidos nesse processo. Nesse sentido, diante da necessidade de transformação nas condições escolares necessárias ao atendimento de alunos disléxicos, a atuação do profissional de psicopedagogia poderá trazer contribuições importantes.         

Bibliografia

Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM-5 / [American Psychiatric Association]. Porto Alegre: Artmed, 2014.
ROTTA, OHLWELER, RIESGO (Orgs). Transtornos da aprendizagem: abordagem neurobiológica e Multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2016.
SMITH, Corinne; STRICK, Lisa. Dificuldades de aprendizagem de A a Z : um guia completo para pais e educadores. Porto Alegre : Artmed, 2007.


segunda-feira, 17 de junho de 2019

Psicopedagogia Institucional e Protagonismo Comunitário


Como profissionais do campo da Psicopedagogia, atuando dentro de instituições escolares, temos a oportunidade de conhecer as demandas das comunidades onde desenvolvemos nossa prática. Com o passar do tempo, percebemos aqueles aspectos que se relacionam com as fragilidades e com os recursos que a comunidade possui. Com o conhecimento desses aspectos, também se tornam possíveis ações com o objetivo de desenvolver práticas voltadas para a correção ou minimização das dificuldades constatadas.
O Projeto Tempo de Qualidade constitui uma iniciativa para conscientizar pais e responsáveis sobre a importância de fortalecer o vínculo afetivo com seus filhos. A ideia do projeto foi que investir na oferta do tempo com qualidade poderia representar uma ação alternativa para as condições constatadas na realidade de muitas famílias, em que se percebia a necessidade de fortalecimento das relações intrafamiliares. Tal necessidade foi constatada após a realização de inúmeros atendimentos psicopedagógicos por meio dos quais a falta de tempo na convivência com os responsáveis constituiu uma das queixas dos educandos com dificuldades de aprendizagem. Isso acarretava situações como tristeza, apatia pelos estudos e baixo rendimento escolar entre esse público de estudantes.
Por outro lado, nos atendimentos realizados com os responsáveis, foi possível constar que, nos dias atuais, muitos pais sentem a necessidade de trabalhar em mais de um emprego para complementar a renda familiar. Ao serem entrevistados, também demonstravam insatisfação com essa situação e experimentavam sentimento de culpa por não terem mais tempo em companhia dos filhos. Outros passavam período significativo de tempo diariamente em companhia dos filhos, porém pareciam não estar atentos sobre a importância do vínculo fortalecido para o desenvolvimento integral e harmonioso do ser humano, necessitando ser orientados a respeito disso. Nessas condições, foi percebido que a qualidade do tempo que passavam com os filhos parecia não contribuir para suprir as necessidades afetivas dos mesmos.
Assim, com o projeto Tempo de Qualidade, busca-se alcançar a comunicação com as famílias, propondo que o fortalecimento do vínculo pode ser realizado mesmo que o período que passam juntos não seja muito extenso. Devido à relatividade do assunto, preferimos enfatizar a qualidade do tempo necessário à formação do vínculo. Isso porque o fato de apenas passar um período de horas extenso em companhia dos filhos não significa necessariamente que o vínculo seja satisfatório.
Pensando-se na importância da estimulação precoce, o profissional de Psicopedagogia também pode intensificar esse tipo de orientação aos responsáveis desde o momento em que as crianças começam a frequentar a creche. Abordar essa questão nos faz pensar que aquelas famílias mais fragilizadas deveriam possuir um acompanhamento de modo mais intenso, com vistas à promoção de ações preventivas, trabalhando com o tema para que a dificuldade não se instale, ou para minimizar os efeitos quando a dificuldade já se instalou. Para isso, tanto a realização de orientações individuais, quanto das orientações coletivas em projetos como Escola de Pais podem contribuir.
O profissional de Psicopedagogia, devido ao seu conhecimento do desenvolvimento humano, pode se tornar um recurso humano importante dentro da instituição. Como neste momento histórico a escolarização é ofertada como direito de todos, ações eficazes na instituição podem servir para melhorar as condições dentro da escola e dentro da comunidade onde esta se insere.
Para dar início ao projeto com as famílias, pode-se pensar em algumas estratégias, como envio de convite para a participação em reuniões em que o assunto será abordado. Além do convite para a participação da reunião, podem ser enviados outros bilhetes em períodos de tempo regulares, fornecendo orientações breves e práticas relacionadas à temática em questão. Isso pode contribuir para despertar o interesse pelo assunto, que será tratado mais detidamente durante as reuniões do projeto. Outra ação consiste em convidar especialistas de diferentes áreas, como médicos pediatras, psicólogos, fonoaudiólogos e demais profissionais envolvidos no atendimento de crianças e adolescentes para abordar a questão durante os encontros do projeto.
Diante do caráter interdisciplinar da Psicopedagogia, o profissional da área estaria em posição de vantagem para promover um olhar para a questão dos vínculos afetivos intrafamiliares, mobilizando recursos para enfrentar as dificuldades constatadas nesse sentido. A orientação psicopedagógica, portanto, se insere como uma das possibilidades, dentro do trabalho psicopedagógico, capaz de dar uma significativa contribuição para que a escola seja para todos, e que todos os que a frequentam possam ser atendidos dentro de uma abordagem do desenvolvimento integral e harmonioso do ser humano.

quinta-feira, 18 de abril de 2019

A Prática de Bullying, A Comunicação Não-Violenta e As Contribuições da Psicopedagogia Institucional à Cultura da Paz


“Pela ênfase em escutar profundamente — a nós e aos outros —, a CNV promove o respeito, a atenção e a empatia e gera o mútuo desejo de nos entregarmos de coração” (Rosemberg).

No contexto da educação moderna, a relação entre escola e desenvolvimento global do educando é um tema que remonta ao nascimento da orientação educacional. Como explicam Schmidt e Pereira (1973, p. 51), o surgimento da orientação educacional ocorre no final do século XIX, mais exatamente no ano de 1895, em São Francisco, Estados Unidos. Inicialmente voltada para os aspectos do desenvolvimento profissional dos educandos, passou, posteriormente, a se interessar pelos aspectos globais do desenvolvimento:
“Logo no início do século XX, deu-se uma ampliação natural da Orientação, obedecendo à necessidade de assistir o educando no desenvolvimento de todas as suas estruturas – física, mental, moral, social, artística, científica, política, religiosa. A orientação passou a ter a amplitude que hoje lhe atribuímos: o estudo completo da personalidade do educando, das aptidões e das relações com os diferentes ambientes sociais em que ele vive – escola, família, sociedade, igreja; aconselhamento, encaminhamentos a serviços especializados”.    
Outro autor (Nérici, 1974, p. 33-34) afirma que a função de orientador educacional era desempenhada por licenciados em Pedagogia, com habilitação em Orientação Educacional, ou por profissionais que tivessem realizado formação na área por meio de cursos de pós-graduação. E, por fim, por aqueles que tivessem obtido diploma em Orientação Educacional por meio de formação no exterior, após revalidado de acordo com a legislação em vigor.
Entre as atribuições do orientador educacional, estava o atendimento individual do educando: “A função de atendimento individual tem por finalidade atender educandos com dificuldades maiores aos estudos, ao ajustamento escolar, familiar e social” (op. cit. p. 31). Portanto, a relação entre instituição escolar e uma intenção de contribuir para a formação global do sujeito não constitui de modo algum interesse recente por parte de profissionais pertencentes à área da educação.
A necessidade de oferecer educação emocional às crianças e jovens nos dias atuais pode ser justificada pelas mudanças sociais ocorridas, as quais apresentam diversas demandas individuais: necessidades relacionadas à autoestima, ao desenvolvimento de atitudes como responsabilidade, capacidade de administrar os conflitos da convivência, etc. Além disso, fatores econômicos, familiares, assim como o crescimento da violência são alguns aspectos que trazem para a escola a necessidade de se pensar sobre a importância da educação emocional (Nogueira, 2009, p. 14), o que poderia envolver metas voltadas às famílias, preparando os pais para essa tarefa (op. cit. p. 73).
São muitas as situações ocorridas diariamente dentro do ambiente escolar que poderiam ser evocadas para justificar a preocupação em levar para a discussão temas relacionados à convivência, afetividade e valores. Poderíamos pensar sobre o modo como as tensões experimentadas pelos alunos na vida extraescolar podem influenciar a convivência dentro do ambiente da instituição. Práticas nesse sentido poderiam incluir intervenções destinadas a minimizar tensões existentes, bem como envolver ações com caráter preventivo.  

Combater a Prática do Bullying

Atualmente, podemos pensar também nas recorrências da prática do bullying como um aspecto que exige dos profissionais envolvidos no cotidiano escolar um posicionamento. Os trabalhos de orientação relacionados à temática do bullying precisam esclarecer o conceito. Muitos pais, alunos e, às vezes, até mesmo educadores, nem sempre possuem muita clareza sobre isso. Portanto, é necessária uma definição sobre esse tema. Assim, bullying:
“Compreende todas as formas de atitudes agressivas, realizadas de forma voluntária e repetitiva, que ocorrem sem motivação evidente, adotadas por um ou mais estudantes contra outro (s), causando dor e angústia e realizada dentro de uma relação desigual de poder” (Abrapia – associação brasileira multiprofissional de proteção à infância e à adolescência).
Entre os indicadores de que uma criança ou adolescente possa estar sendo vítimas de bullying, podem estar condições como baixo rendimento escolar, falta às aulas sob a alegação de estar doente, ter conceito deficiente de si mesmo, ter seus materiais escolares danificados, apresentar alterações acentuadas de humor, entre outros indícios. Por outro lado, os agressores costumam demonstrar aspectos como atitude hostil e desafiadora em relação aos demais, passando a acreditar que a violência constitui forma legítima de conseguir o que querem, possuir objetos ou dinheiro que não sabem justificam a origem, etc. O desenvolvimento tecnológico também ocasionou a modalidade de bullying conhecida como cyberbullying.
Todas essas questões apresentam a demanda, tanto às famílias quanto à escola, para que sejam traçadas estratégias visando à conscientização dos perigos relacionados à prática do bullying. As consequências podem ser prejudiciais para todos os envolvidos, desde aqueles que o praticam, até os que o testemunham passivamente, ou ainda os que são vítimas dessa prática. Falar sobre esse assunto nos faz pensar sobre o quanto é urgente que as instituições escolares adotem práticas efetivas para o combate ao bullying, dentro e fora das instituições de ensino.

A Comunicação Não-Violenta Como Alternativa aos Conflitos na Convivência Escolar e a Contribuição do Psicopedagogo Institucional para Cultura da Paz

Nesse sentido, compreender as características da comunicação não-violenta poderá trazer importantes contribuições à convivência no espaço escolar. Debater os relacionamentos interpessoais, percebendo o quanto a comunicação adequada poderá contribuir para minimizar situações conflitivas, poderá trazer resultados benéficos para todos os envolvidos nesse debate.
Os quatro componentes da CNV são: 1. observação; 2. sentimento; 3. necessidade; 4. pedido.

Observação: Procuramos observar uma situação, a princípio, sem julgá-la, para compreendê-la adequadamente.

Sentimento: buscamos compreender o modo como algo nos afeta emocionalmente.

Necessidades: percebemos o que é necessário alterar em tal situação, para que seja atendida uma necessidade.

Pedido: expressamos a necessidade sentida por meio da verbalização.
A explicação do tema Comunicação Não-Violenta pode ser realizada no espaço da sala de aula, com intervenção previamente combinada e discutida entre psicopedagogo e professor. O psicopedagogo poderá estruturar sua apresentação e elaborar as dinâmicas e em seguida realizar a intervenção conforme já explicado. Para entender como a comunicação não-violenta funciona na prática, poderão ser analisados, com a turma de alunos, exemplos com os oferecidos a seguir:

Exemplo A: O Pedido da Professora

Imaginemos que a professora queira fazer uso do modo de CNV para se expressar em relação a determinado comportamento de um grupo de alunos, os quais não entregaram os trabalhos dentro do prazo estabelecido:
Tenho notado que vocês não trouxeram as lições pedidas nas aulas anteriores (observação). Isso me deixa muito incomodada, pois em breve teremos a avaliação e eu não tenho como avaliar as dificuldades de vocês nesse assunto (sentimento). Dessa forma, preciso que vocês me entreguem as tarefas para que possa corrigi-las (necessidade). Poderiam me entregar as atividades realizadas na próxima aula? (pedido).
No exemplo seguinte, um aluno sente-se prejudicado pelo uso de seus materiais pelos colegas. Tomei a liberdade de sugerir que, tanto quanto possível, a observação inicial possa conter também aspectos positivos, para minimizar resistências do interlocutor.

Exemplo B: O Uso Compartilhado de Materiais Escolares

Percebi que você usa os meus materiais quando está sem o seu. Sei que você é legal, e não se importa de emprestar os seus materiais também quando os colegas precisam (observação). Mas às vezes preciso de minha borracha e não faço ideia de onde está, porque os outros a pegam de sua mesa e não devolvem depois de usar. Isso me faz me sentir frustrado, porque atraso a conclusão de minhas atividades (sentimento). Somente preciso que você devolva depois que tiver usado (necessidade). Poderia colocar a borracha sobre a minha carteira depois que a tiver usado? (pedido).

Considerações Finais

Uma boa comunicação é algo essencial à superação de conflitos entre as pessoas. Nesse sentido, comunicar-se de modo mais eficiente poderia contribuir para a melhora nas condições envolvidas na convivência escolar, familiar e nos demais contextos sociais. Durante a intervenção, os educandos poderiam ser incentivados a elaborar seus próprios exemplos e a generalizar as habilidades aprendidas. Os depoimentos positivos ouvidos, de professores e educandos, após desenvolver reflexões sobre a Comunicação Não-Violenta em sala de aula, podem ser muito satisfatórios. Ajudar crianças e jovens a desenvolver potenciais em consonância com as exigências de nossa época, caracterizada por grandes transformações sociais, é algo desafiador e estimulante. Faz-nos indagar sobre o papel da escola frente às necessidades do presente. E para refletir sobre essas questões, termino com uma observação de Oliveira (2004, p. 79), que nos lembra a relação entre a educação e a possibilidade de preparar para o presente, para que possamos vivê-lo com plenitude.
  
Bibliografia

Bullyng não é legal. MPSP Ministério Público do Estado de São Paulo.

NÉRICI, Imideo Giuseppe. Introdução à Orientação Educacional. São Paulo: Atlas, 1974.

NOGUEIRA, Nilbo Ribeiro. Educação emocional: perspectivas para uma prática pedagógica. Pinhais: Editora Melo, 2009.

OLIVEIRA, Ivone Boechat. Competência emocional. Rio de Janeiro: Reproarte, 2004.

ROSENBERG, Marshall B. Comunicação Não-Violenta. São Paulo: Ágora, 2006.

SCHMIDT, Maria Junqueira; PEREIRA, Maria de Lourdes de Souza. Orientação educacional. Rio de Janeiro: Agir, 1973.